quarta-feira, 20 de maio de 2009

"sobre moluscos, conchas e belezas..."

"(...)Penso que, desde que o objetivo da educação é permitir que vivamos melhor, nossas escolas deveriam tomar a natureza como sua mestra. Assim, já que tanto falam em Piaget, imaginei que poderiam adotar as conchas como símbolos – afinal de contas, foi no estudo dos moluscos que o seu pensamento sobre educação se iniciou... - posto que nelas se encontra, em resumo, toda uma filosofia: foi o espanto diante das conchas que me fez filosofar... E quando, perguntados por pais e alunos sobre as razões de serem as conchas os símbolos da escola, os professores teriam uma ocasião para lhes dar a primeira aula de filosofia da educação: “O objetivo da educação é ensinar as novas gerações a construir casas. É preciso que as casas sejam sólidas, por causa da sobrevivência. Para isso as escolas ensinam a ciência. Mas não basta que nossas casas sejam sólidas. É preciso que sejam belas. A vida deseja alegria. Para isso as escolas ensinam as artes. É preciso educar os sentidos.“Hume, ao final do seu livro Investigação sobre o entendimento humano, propõe duas perguntas, somente duas, que, se feitas, produziriam uma assepsia geral do conhecimento. De forma semelhante, e inspirado pela sabedoria dos moluscos e suas conchas, quero propor duas perguntas a serem feitas a tudo aquilo que se ensina nas escolas. Primeira: isso que estou ensinando, é uma ferramenta? Tem um uso prático? Aumenta o poder do meu aluno sobre o mundo que o cerca? De que forma ele pode usar isso que estou ensinando como ferramenta para construir a sua concha, a sua “casa“? Segunda: isso que estou ensinando contribui para que o meu aluno se torne mais sensível à beleza? Educa a sua sensibilidade? Aumenta suas possibilidades de alegria e espanto? Concluo com as palavras de Hume: se a resposta for negativa, então, “que seja lançado ao fogo“ – porque nada tem a ver com a sabedoria da vida. Não passa de tolice e perda de tempo..."

RUBENS ALVES

(Folha de S. Paulo, março/2002)

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